quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Bom Natal!

Desejo a todos vocês que acessam este blog um Bom Natal e um excelente 2011. Vicência Jaguaribe.
Meu presente de Natal é o conto transcrito abaixo. Espero que gostem.



O menino do velocípede


(Vicência Jaguaribe)



Ao menino que teve a sensibilidade
de entender o drama da pobreza.



Manhã de 25 de dezembro de 19... O menininho de pele clara e cabelo aloirado já acordara quando os pais se levantaram. Sentara-se no chão da sala de visitas, perto da árvore de Natal. Com as luzes apagadas, aquele adereço natalino parecia ter perdido o encanto que alimentara a fantasia do menino por quase um mês. Mas é assim mesmo: depois que os presentes são entregues, parece que o simulacro de pinheiro perde sua função. Mas o menino não estava ali pela árvore. O que o prendia naquele recanto era o presente que finalmente ganhara, depois de esperá-lo ansiosamente no aniversário.
            Era um velocípede de última geração, com o qual o menino vinha namorando há muito tempo. Bonito e espaçoso, comportava perfeitamente duas crianças da idade dele. Mas o menino não tinha coragem de aproximar-se, de pegar nele, de montá-lo. Só o olhava. Na noite anterior, quando o recebera das mãos do pai, ficara tão embevecido que não vira mais nada nem ninguém naquela sala. O pai pegara-o nos braços e o colocara em cima da pequena máquina. Mas ele não tivera coragem de pedalá-la. Os primos é que deram as primeiras voltas, enquanto ele os olhava.
            Agora, pela manhã, parecia que ainda não se libertara do encantamento. O que o arrancou do êxtase foi o barulho das crianças na rua, jogando bola e falando alto. Na certa, exibiam os presentinhos baratos que receberam – se houvessem recebido. Eram crianças pobres os vizinhos do menino. A única família que vivia em melhores condições, naquela rua, era a sua, mas assim mesmo não eram ricos. Digamos que eram remediados. A animação da criançada animou o menino do velocípede. Abriu a porta, desceu devagar os três batentes e puxou com cuidado o brinquedo. Silêncio absoluto na rua. Onde estavam os meninos que há pouco jogavam e gritavam alegres? Quando se virou, viu-os parados e mudos na ponta da calçada, a bola abandonada, sem serventia. Alguns se aproximaram do brinquedo, mas não muito. Mantiveram uma distância respeitosa e cerimoniosa. Nenhum deles teve coragem de tocar no objeto tabu ou de dizer alguma coisa. Quando o menino montou e os olhou, não viu mais os meninos. Viu vários pares de olhos tristes e avermelhados. Parecia que, a qualquer momento, lágrimas rolariam. O menino entendeu? Não sei se entendeu o drama em sua totalidade, mas pedalou devagar e de cabeça baixa, afastando-se daquelas crianças que, talvez, pela primeira vez em suas vidas, sentissem inveja e experimentassem, de verdade, a condição da pobreza.
            O menino não chegou ao fim do quarteirão. Pedalou de volta. As outras crianças haviam-se recolhido às suas casas, e a rua estava triste – sem bola, sem gritos, sem risos. O menino empurrou a porta de casa, entrou e puxou o velocípede. Estava triste. Perdera o interesse pelo brinquedo.
Aquela foi a primeira e a última vez que ele levou o velocípede à calçada. O brinquedo ficou guardado no quartinho de despejo, no fundo do quintal.

5 comentários:

Zélia Guardiano disse...

Vivência
Este seu espaço encantou-me!
Maravilha!
Virei sempre.
Grande abraço.

Professor Sérgio Araujo / Poeta Chico Araujo disse...

Oi, Vicência. A leveza de sua palavras atenuam, até certo momento, o drama que envolve a personagem. O fato de o velocípede ter se transformado de objeto de desejo em algo a ficar escondido num lugar de esquecimentos, expõe a dimensão da vergonha e da dor que o menininho deve ter sentido ao se saber "diferente" dos outros. Dá para intuir que essa criança jamais foi a mesma, mesmo que não saibamos o que aconteceu a ela desde então. Esse seu conto não é apenas uma história; é um caminho de busca de si mesmo de quem o ler, no sentido de saber onde se colocar diante de uma situação como esta.

Um grande abraço.

Aíla Sampaio disse...

Que lindo, Vicência... seu estilo leve e solto sempre me encanta. Lamento, nesse mundo doido em que vivemos, serem tão raras as crianças capazes de tanta grandeza!
Beijo, Aíla

Anônimo disse...

Olá fascinante este blog está muito posicionado.........boa:)
Amei Continua deste modo !!

Monstrinha disse...

Quero comentar, mas fiquei sem palavras!
Na minha opinião é por isso que os ricos da nossa sociedade se trancam dentro de condomínios, no alto dos prédios e em círculos cada vez mais fechados. Não é só por segurança. É por que quando saem sozinhos no "mundo real" eles acabam percebendo a futilidade dos brinquedinhos deles. Daí a bolsa de 500 reais da Guess perde a graça...