sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz Ano Novo!

Saravá, meu pai!


(Vicência Jaguaribe)



30 de dezembro de 2011 (sexta-feira)
Véspera da passagem do ano


Hoje amanheci com vontade de fazer alguma coisa para exorcizar os maus fluidos do apartamento. Fazer um trabalho de descarrego no ambiente, em meu próprio corpo e em minha alma. Não, não sou adepta da Umbanda, da Quimbanda, do Candomblé, do Batuque, do Xambá, do Xangô ou de qualquer outra crença afro-brasileira. Também não sou seguidora do Espiritismo nem iniciada em alguma prática esotérica. Acontece que sou brasileira (apesar de não saber muito bem o que vem a ser isso, mesmo depois de haver lido, emocionada, o Viva o Povo Brasileiro, do baiano João Ubaldo Ribeiro) sou brasileira descendente de muitas gerações de brasileiros e, como boa brasileira, recorro a qualquer ritual, pagão ou cristão, quando a coisa aperta e nada mais pode ser feito dentro dos limites da ciência, do racionalismo e da lógica. Por isso é que diz a sabedoria popular: Para quem está perdido, todo o mato é vereda.
Pois bem, queimei palitos de incenso de alfazema, made in Índia, fragrância usada para descarrego, o processo por meio do qual nos livramos de um mal, como má sorte, perseguições e doenças. Acendi as velas que deveria ter queimado no Natal, mas não o fiz, e liguei a luz em forma de vela do santuário.
Para deixar a coisa mais clara para o leitor, preciso dizer que este 2011 foi terrível para minha família. Não é à toa que ele termina por um número ímpar — 11. Não gosto de número ímpar. Habitualmente compro qualquer produto em números pares: 4 pães, 2 litros de leite, 6 caixas de sabão em pó, etc. Só compro em número ímpar (1) objetos que normalmente não são comprados, por motivos óbvios, em mais de uma unidade, como geladeira, fogão, mesa, computador, etc. Pois é, só gosto de números redondos, números que se fecham em volta de nós, sem deixar arestas e brechas por onde possam entrar os maus fluidos.
Do que dizem os iniciados nas ciências ocultas, infere-se — e essa é uma inferência particularmente minha que o número 11 é contraditório. E a contradição não faz bem ao espírito, porque pressupõe falta de nexo ou de lógica, incoerência e discrepância. De acordo com esses iniciados, o 11 é O número das revelações. O plano de conhecimentos mais elevados. A junção de Deus (1) com o mundo (10): é o sinal do início do conhecimento de Deus, isto é, da admissão à vida superior dos céus. Mas é também o Símbolo da transição, excesso e perigo. Número da fragmentação, sendo por isso também considerado diabólico. Veja-se o endereço eletrônico http://pensamentosocasionais.blogspot.com/2004/04/simbologia-do-1.html.
Pois, para definir o ano de 2011, tal qual o vivemos eu e minha família, devo ater-me ao final da transcrição: “Símbolo da transição, excesso e perigo. Número da fragmentação, sendo por isso também considerado diabólico”. Tivemos, na família, doenças graves, mortes e outros problemas muito penosos. E, principalmente, a morte de uma tia muito querida, a quem chamava de mãe.
Assim, acendi todas as velas que encontrei no apartamento e deixei fumaçar o incenso a manhã inteira. Oxalá essa prática possa tirar do nosso espaço e de todos os outros espaços os miasmas das doenças e os fluidos do mal, que nos cercam durante os 365 dias e 6 horas do ano, seus 12 meses; os 30 dias de cada mês, as 24 horas do dia, os 60 minutos de cada hora, e os sessenta segundos de cada minuto. Saravá, meu pai!
O próximo ano que começará deste exato momento em que termino esta crônica a 36 horas ostenta um belo número redondo: 2012. Qualquer que seja o movimento que se faça em seus algarismos, menos alguns poucos (01, 21, 201, 1201), dará sempre um número par. Vejam: 02, 10, 20, 22, 102, 122, 202, 212, 220, 1220, 2210.
 Segundo os entendidos na numerologia, os mistérios do doze dizem respeito às relações entre o abstrato e o concreto, entre a Trindade e o mundo material. Simboliza esse número a manifestação do espiritual sobre o material: Tudo aquilo que diz respeito à manifestação do espiritual sobre o material no sentido de comunicação e de ensinamentos obedece ao mistério doze: Jesus escolheu 12 apóstolos; são 12 as casas do Zodíaco; são quatro as estações do ano, cada uma com a duração de 3 meses (4x3= 12); são doze os meses do ano; Jacó teve 12 filhos, dos quais se formaram as 12 tribos de Israel; após o milagre da multiplicação dos pães por Jesus, as sobras encheram 12 cestos; o dia é dividido em 12 horas, assim como a noite. Esses são somente alguns exemplos para mostrar que o 12 é “um número glorioso”. O leitor poderá encontrar mais exemplos no seguinte endereço virtual:  http://www.joselaerciodoegito.com.br/site_tema392.htm.

Assim, prezado leitor, só nos resta, no início de 2012, torcer para que o 12 honre sua fama de “número glorioso”. Mas, por via das dúvidas, recebamos o Ano Novo, com variadas saudações: Paz e amor; Paz e bem; Damastê; Shalom; Namaskar; Namaste; Assalamu Alaiku.








quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Boas Festas!



Boas Festas!

Fortaleza, dezembro de 2011


(Vicência Jaguaribe)


Que se espera de um escritor ou de um aprendiz de escritor (é o meu caso) de qualquer nacionalidade, em datas como Natal, Ano Novo, Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia da Pátria e congêneres? Espera-se uma manifestação na velha e boa palavra escrita, em estilo literário (seja lá o que isso queira significar), de preferência enfocando o tema em uma perspectiva nova, sem cair nos chavões repetidos ad nauseam.
Até aí tudo muito bem. Acontece que nem todos têm a capacidade de ser originais no que escrevem ou na maneira como escrevem. O que nos salva ­— Graças a Deus — é que nem todo leitor é tão exigente ou tem a capacidade de reconhecer e admirar o original. Além do mais, a originalidade e a genialidade são coisas raríssimas neste mundo. O que não é de todo mau, porque a genialidade é chatíssima, e a originalidade excessiva entrava a comunicação.
Estamos, porém, às vésperas do Natal e na antevéspera do Ano Novo, e eu, já que me autoproclamo aprendiz de escritor, deveria estar falando desses eventos  ­— para usar uma palavra da moda. Deveria, sim, como todo escrevinhador que se preza. Acontece que sobre Natal e Ano Novo tudo ou quase tudo já foi dito. Sobre o Natal, por exemplo, já se proclamou ser ele A grande festa da Cristandade; O nascimento do Deus-Menino; O advento de um novo tempo; A vinda do Messias; O advento do Menino Jesus. E muito se fala da noite feliz, da noite de luz.
Na literatura, são inúmeros os contos que imortalizaram o chamado milagre de Natal. Histórias em que uma situação de infelicidade, de sofrimento, de injustiça, de desamor e incompreensão se resolve na antiquíssima forma de um Deus ex machina, isto é, por um desfecho  inesperado e feliz. E esse desfecho, nos contos de Natal, não tem outra explicação, a não ser a intervenção divina, um milagre do Todo Poderoso ­— um milagre do Natal.
Um dos mais belos desses contos, na minha opinião, é “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles. Nele, a narradora é a própria protagonista, que, na noite do Natal, encontra-se em uma barca por algum motivo que não deve lembrar, como ela mesma diz. Entre os passageiros, encontra-se uma mulher pobre e temente a Deus, aconchegando no colo o único filho, de dois anos, muito doente. Em determinado momento da viagem, a narradora constata que a criança está morta, o que a mãe ainda não percebera. Ao descerem da embarcação, a mulher descobre a cabeça da criança e, com espanto e incredulidade, a narradora certifica-se de que ela está viva. Um milagre do Natal?
Bem, se não me engano, todos os contos clássicos de Natal têm um final feliz. Pensando nisso, esta semana resolvi escrever um conto que se poderia chamar de “O antimilagre de Natal”. Ao contrário das outras, a pequena narrativa tem início com uma situação de equilíbrio e termina em uma circunstância de desequilíbrio. O milagre do Natal não ocorre. Antes, porém, compusera um conto que confirmava esse famoso milagre. Mas me achei meio ridícula, afinal, nem sempre o Natal marca em nossas vidas uma fase feliz. Daí por que resolvi desautorizar essa fábula. E não é que o conto saiu melhor do que a encomenda! Mais natural e verossímil do que o primeiro!
Tentei, também, em um poema, mostrar o Natal e o Ano Bom de uma maneira mais realista. Falei, indiretamente, dos natais de minha terra de quando eu era criança, muito diferentes dos natais de hoje. Não se aborreça, leitor, mas leia comigo, de minha autoria,



Festas de fim de ano

— Padrinho, me dá o meu Natal!
E o dinheiro trocado na véspera
voava do bolso da calça
e transformava-se em Natal.
—Madrinha, vim buscar meus anos!
E o dinheiro trocado na véspera
fugia do bolso do vestido
e transformava-se em anos.
— Tia, e as minhas festas?
E o dinheiro trocado na véspera
deslizava pela abertura da bolsa
e transformava-se em festas.

Nas residências partia-se o bolo de milho e o pé de moleque
e mandava-se um pedaço para a comadre amiga.
Cortavam-se partes do grude, que iam para as casas da mãe e da sogra.
Não se comia peru, nem havia ceia
que isso era coisa desconhecida do sertanejo.
             À tarde  as barracas se equilibravam ao redor da praça.
Era a mulher que fazia boneca de pano.
O artesão que expunha seus carrinhos de lata e madeira.
O homem que vendia grude e bolo de milho.
O menino que comercializava os pirulitos da avó.
O comerciante que negociava bugigangas.
Os hippies que ofereciam colares, brincos e pulseiras exóticos.

O aroma provocante do carrinho da pipoca
e o colorido do algodão doce.
De lá, a sonoridade da chegadinha.
Do outro lado, a barraca das  loterias:
a pescaria,
o jogo da argola,
o tiro ao alvo.

Nas calçadas, as velhas saudadeavam:
— Ai! Que saudade do Natal do nosso tempo!
E os velhos passadeavam:
— No passado, o Ano Bom era muito mais animado.

Mas soava, no carrilhão da matriz,
a primeira chamada para a missa do galo
ou para a missa da passagem do ano.
Os donos das barracas apressavam-se em desarmá-las.
À segunda chamada, recolhiam-se as cadeiras das calçadas.
À terceira chamada, pernas  apressavam-se
Na direção da igreja, guiadas pelo toque do sino.
Encerrada a missa, terminava o Natal.
Ou ia-se um ano do calendário.
Outro ano ocupava o lugar em novo calendário
— o Ano Novo.

Novamente em casa, porém, retoma-se a rotina.
Na vida real, não há novo tempo.
Não se quebra a continuidade da vida
nem para festejar o Ano Novo.

No tempo real,
há uma única solução de continuidade:
infelizmente, a morte.


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Será que consegui realizar a façanha? Abandonei um pouco o mundo da pretensa espiritualidade, dos milagres e dos finais felizes sempre associados ao Natal e, de certa forma, ao Ano Novo. Pus os pés no chão e percebi que há Natais e natais, e que o Ano Novo é um puro exercício de abstração do homem na sua ânsia de mudança, às vezes escondida sob sete capas. No íntimo, bem que gostaria de, a partir de uma bela Noite de Natal, tornar--se bom, solidário e generoso para sempre como muitos se tornam temporariamente nas festas de fim de ano. Mas a humanidade é falaz, fútil, gananciosa e interesseira. Sendo assim, só vejo uma saída para aqueles que desejam um mundo habitado por homens de boa vontade: rezar para que aconteça o Grande Milagre de Natal.
Desculpe o leitor a incompetência desta aprendiz de feiticeiro e sua incapacidade de ser original. Foi o máximo que pude fazer. E Deus abençoe os homens e as mulheres de boa vontade que, por acaso, leiam este texto, porque é deles o Reino dos Céus.