quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Boas Festas!



Boas Festas!

Fortaleza, dezembro de 2011


(Vicência Jaguaribe)


Que se espera de um escritor ou de um aprendiz de escritor (é o meu caso) de qualquer nacionalidade, em datas como Natal, Ano Novo, Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia da Pátria e congêneres? Espera-se uma manifestação na velha e boa palavra escrita, em estilo literário (seja lá o que isso queira significar), de preferência enfocando o tema em uma perspectiva nova, sem cair nos chavões repetidos ad nauseam.
Até aí tudo muito bem. Acontece que nem todos têm a capacidade de ser originais no que escrevem ou na maneira como escrevem. O que nos salva ­— Graças a Deus — é que nem todo leitor é tão exigente ou tem a capacidade de reconhecer e admirar o original. Além do mais, a originalidade e a genialidade são coisas raríssimas neste mundo. O que não é de todo mau, porque a genialidade é chatíssima, e a originalidade excessiva entrava a comunicação.
Estamos, porém, às vésperas do Natal e na antevéspera do Ano Novo, e eu, já que me autoproclamo aprendiz de escritor, deveria estar falando desses eventos  ­— para usar uma palavra da moda. Deveria, sim, como todo escrevinhador que se preza. Acontece que sobre Natal e Ano Novo tudo ou quase tudo já foi dito. Sobre o Natal, por exemplo, já se proclamou ser ele A grande festa da Cristandade; O nascimento do Deus-Menino; O advento de um novo tempo; A vinda do Messias; O advento do Menino Jesus. E muito se fala da noite feliz, da noite de luz.
Na literatura, são inúmeros os contos que imortalizaram o chamado milagre de Natal. Histórias em que uma situação de infelicidade, de sofrimento, de injustiça, de desamor e incompreensão se resolve na antiquíssima forma de um Deus ex machina, isto é, por um desfecho  inesperado e feliz. E esse desfecho, nos contos de Natal, não tem outra explicação, a não ser a intervenção divina, um milagre do Todo Poderoso ­— um milagre do Natal.
Um dos mais belos desses contos, na minha opinião, é “Natal na barca”, de Lygia Fagundes Telles. Nele, a narradora é a própria protagonista, que, na noite do Natal, encontra-se em uma barca por algum motivo que não deve lembrar, como ela mesma diz. Entre os passageiros, encontra-se uma mulher pobre e temente a Deus, aconchegando no colo o único filho, de dois anos, muito doente. Em determinado momento da viagem, a narradora constata que a criança está morta, o que a mãe ainda não percebera. Ao descerem da embarcação, a mulher descobre a cabeça da criança e, com espanto e incredulidade, a narradora certifica-se de que ela está viva. Um milagre do Natal?
Bem, se não me engano, todos os contos clássicos de Natal têm um final feliz. Pensando nisso, esta semana resolvi escrever um conto que se poderia chamar de “O antimilagre de Natal”. Ao contrário das outras, a pequena narrativa tem início com uma situação de equilíbrio e termina em uma circunstância de desequilíbrio. O milagre do Natal não ocorre. Antes, porém, compusera um conto que confirmava esse famoso milagre. Mas me achei meio ridícula, afinal, nem sempre o Natal marca em nossas vidas uma fase feliz. Daí por que resolvi desautorizar essa fábula. E não é que o conto saiu melhor do que a encomenda! Mais natural e verossímil do que o primeiro!
Tentei, também, em um poema, mostrar o Natal e o Ano Bom de uma maneira mais realista. Falei, indiretamente, dos natais de minha terra de quando eu era criança, muito diferentes dos natais de hoje. Não se aborreça, leitor, mas leia comigo, de minha autoria,



Festas de fim de ano

— Padrinho, me dá o meu Natal!
E o dinheiro trocado na véspera
voava do bolso da calça
e transformava-se em Natal.
—Madrinha, vim buscar meus anos!
E o dinheiro trocado na véspera
fugia do bolso do vestido
e transformava-se em anos.
— Tia, e as minhas festas?
E o dinheiro trocado na véspera
deslizava pela abertura da bolsa
e transformava-se em festas.

Nas residências partia-se o bolo de milho e o pé de moleque
e mandava-se um pedaço para a comadre amiga.
Cortavam-se partes do grude, que iam para as casas da mãe e da sogra.
Não se comia peru, nem havia ceia
que isso era coisa desconhecida do sertanejo.
             À tarde  as barracas se equilibravam ao redor da praça.
Era a mulher que fazia boneca de pano.
O artesão que expunha seus carrinhos de lata e madeira.
O homem que vendia grude e bolo de milho.
O menino que comercializava os pirulitos da avó.
O comerciante que negociava bugigangas.
Os hippies que ofereciam colares, brincos e pulseiras exóticos.

O aroma provocante do carrinho da pipoca
e o colorido do algodão doce.
De lá, a sonoridade da chegadinha.
Do outro lado, a barraca das  loterias:
a pescaria,
o jogo da argola,
o tiro ao alvo.

Nas calçadas, as velhas saudadeavam:
— Ai! Que saudade do Natal do nosso tempo!
E os velhos passadeavam:
— No passado, o Ano Bom era muito mais animado.

Mas soava, no carrilhão da matriz,
a primeira chamada para a missa do galo
ou para a missa da passagem do ano.
Os donos das barracas apressavam-se em desarmá-las.
À segunda chamada, recolhiam-se as cadeiras das calçadas.
À terceira chamada, pernas  apressavam-se
Na direção da igreja, guiadas pelo toque do sino.
Encerrada a missa, terminava o Natal.
Ou ia-se um ano do calendário.
Outro ano ocupava o lugar em novo calendário
— o Ano Novo.

Novamente em casa, porém, retoma-se a rotina.
Na vida real, não há novo tempo.
Não se quebra a continuidade da vida
nem para festejar o Ano Novo.

No tempo real,
há uma única solução de continuidade:
infelizmente, a morte.


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Será que consegui realizar a façanha? Abandonei um pouco o mundo da pretensa espiritualidade, dos milagres e dos finais felizes sempre associados ao Natal e, de certa forma, ao Ano Novo. Pus os pés no chão e percebi que há Natais e natais, e que o Ano Novo é um puro exercício de abstração do homem na sua ânsia de mudança, às vezes escondida sob sete capas. No íntimo, bem que gostaria de, a partir de uma bela Noite de Natal, tornar--se bom, solidário e generoso para sempre como muitos se tornam temporariamente nas festas de fim de ano. Mas a humanidade é falaz, fútil, gananciosa e interesseira. Sendo assim, só vejo uma saída para aqueles que desejam um mundo habitado por homens de boa vontade: rezar para que aconteça o Grande Milagre de Natal.
Desculpe o leitor a incompetência desta aprendiz de feiticeiro e sua incapacidade de ser original. Foi o máximo que pude fazer. E Deus abençoe os homens e as mulheres de boa vontade que, por acaso, leiam este texto, porque é deles o Reino dos Céus.

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